domingo, 4 de setembro de 2011


Ensaio sobre meu pai.
Pensei em fazer um poema que falasse das mãos de meu pai e para isso busquei Vinicius e Sabino e toda uma retórica que não poderia dizer por mim mesma com a singeleza e a ternura que deveria ser. Não conseguindo reproduzir, não querendo copiar. As mãos de meu pai são rugosas hoje, grossas, com unhas perfeitamente alinhadas e sempre me seguraram com um dedo só para atravessar todas as ruas e abriu minha garganta na longa infância das inflamações.
  Pensei em falar sobre a força de meu pai. E aí não encontraria em meu repertório épico autores nem palavras, menos estrofes e versos. A força do meu pai é conclusiva, concentrada e redimida. Mas como dizer. Histórias de mocinho defendendo a mocinha dos bandidos, de charme de faroeste. Força de super-herói, que carrega qualquer coisa, que carrega tronco, segura bois, suporta distâncias melhor do que eu.
Pensei em falar da ternura que vem dos olhos de meu pai. Inexpressa em palavras, muda e silenciosa, como a de meu avô. Uma ternura de gestos. Uma ternura de cuidado que circula e adoça; alimenta e faz rir. Na distância faz chorar, de saudade do olhar.
Poderia falar da incrível capacidade sonora de meu pai e da banda que ainda vamos montar assim que aprendermos a tocar os diversos instrumentos que vamos colecionando. Do passado boêmio de um pai que não era pai ainda.
Poderia contar causos, histórias, lendas e mitos. Poderia contar que ele é quieto, silencioso e observador. Que faz regimes doidos e exercícios puxados. Ou que agora ele gosta de charutos.  Poderia contar que minha mãe o ama ainda mais que eu. Poderia contar que todos o amam quando o vêem. Mas  mantenho o texto assim, mais para calado, como ele. Ponto por ponto. Tal como ele, quase reticências no final.