terça-feira, 19 de abril de 2011

Menino

Gostaria que você tivesse cheiro de chuva. E de grama recém cortada.

Que a sua risada enchesse a casa. E que enchesse a casa o tempo todo.Quero que você ria quando eu brigar com você. Quero me derreter com teu sorriso.

Você pintará as paredes da casa e eu vou te ajudar. Você destruirá sofás. Destruirá tevês. Videogames. Brinquedos. Computadores.

Eu não espero menos de você.

Quero respostas na ponta da língua e muitas, muitas guerras de travesseiro.

Você deverá gostar de chocolate, principalmente de brigadeiro, de brigadeiro de prato. Essencialmente fazer uma cara feliz a cada vez que eu for cozinhar.

E se lambuzar lambendo panelas.

Você vai correr por todos os cantos, e me chamar, e chamar teu pai, e chamar o mundo pra te ver lá no alto da escada, da mesa, da cadeira.

Você se machucará, e vai chorar, e virá no meu colo. Aí vai ficar calmo e vai passar.Assim como os pesadelos, que virão. Os monstros, fantasmas e bichos assustadores que vamos afastar.

Teu pai vai te ensinar umas coisas de menino e vocês vão passar tardes perdidos de mim.Vão construir fortes apache ou barreiras de guerra.Catar fruta do pé e plantar umas verduras.

Teu pai será teu ídolo, assim como o meu é o meu e o do teu pai é o dele.

Talvez criem coelhos, talvez criem sapos. Porque você vai gostar dos animais, vai cuidar deles. Mas não hesitará em abrir o corpo de um sapo ou de um passarinho pra ver por dentro. Gatos não.

Vai jogar futebol e rir do meu jeito. Fará alguns gols, vai se orgulhar. Vai mostrar pra mim, pro teu pai e pro teu vô que você sabe fazer embaixadas.

Tua vó vai dizer que é bom.

Teu sangue será o meu e isso é no mínimo assustador.

Vou te amar mais do que eu. E vou te sentir cada vez mais dentro de mim. Mesmo depois, mesmo quando você longe, mesmo quando você ausente. Mesmo quando você ligar de longe, uma vez por semana . Tua voz de menino e tua risada de menino é o que vou ouvir.

O menino que saiu de mim.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

À portas fechadas

Há algum tempo atrás. Eu me lembro.Da porta cerrada, do choro contido.Da solidão imensa, melancólica de algo que não vivi.Da morte onipresente, pressentida e ansiada. Um fim do mundo todos os dias. Intercalados por criações do mundo, todos os dias. A batalha pra existir. Interna, com exércitos conspirando contra seu general.
Agora tudo se repete. De novo, num outro eu que, de tão distante, parece diferente. Todo o sofrimento presente - invenções ingênuas de quem acredita que o mundo acabará por ali.
E o máximo que posso tentar fazer é dar amparo, sem saber bem onde tocar, pra não doer. Ninguém passa a dor em conjunto. As dores são uma das coisas mais nossas que temos. E temos que aprender a nos bastar para cura-las. Eu sei disso, aprendi isso. Agora meu outro eu, não. Ainda procura descobrir um jeito, uma manha, uma coisa qualquer que tire dali aquilo que não quer sair.
Vou seguindo, acompanhando meu outro eu, até passar. E vai passar, simplesmente, num dia qualquer, quando menos se espera. E aí as dores serão outras. E meu outro eu será ainda mais distante, ainda menos eu.


segunda-feira, 4 de abril de 2011

Eu volto correndo, a cabeça.

Vai

Meus pés aqui, pregados

na neve. Cabeça vai

correndo

Eu aqui.

Sobrei,

com a fome e a sede

De tudo de bom

Que deixei


(outro textinho do backup...lá dos idos de 2005)

sábado, 2 de abril de 2011

O velho

O velho aquele dia chorou para mim. Naquele dia a morte se fez presente. A morte, essa desconhecida, pousou pesada sobre o rosto do homem, velho que se desfazia.

À minha frente, o homem que cantarolava Roberto Carlos todos os dias, secava as lágrimas que se faziam recentes na vida do velho.

O velho se fazia velho à minha frente, e eu sem saber o que fazer com tanta dor. Justo com a dor que caminhava todo dia entre os livros, cumprimentando os professores.

O filho que era tudo para mim. O filho que levou tudo de mim.

Ele espalha seus pedaços sujos de sal, sempre, sem ninguém notar detrás do sorriso. O assobio não era uma canção, era o choro do pássaro, atrás do homem. E ele chorou.

Eu, esta desconhecida, sem saber o que fazer com tanta dor. Ele chorava. A dor trazida às escuras. O filho se foi. O velho se foi com o filho.

O velho fumando, fumando se esconde, atrás de tragédias lidas e ouvidas todos os dias. Há tragédias maiores? A mulher que matou o marido, o carro que caiu da ponte, nada dói mais, nem no velho, nem em mim.

Seu filho se foi. Carregou junto toda a luz de seu olhar. Não há dor maior.

A dor tão pesada, não cai. Só se expande, nos braços, nas pernas, na alma do velho.

O velho ainda sorri para mim. Eu sorrio para o homem. O velho, que nem sabe o que fazer com tanta dor.


(texto antigo, dos vários que encontrei fazendo backup no meu primeiro computador...)