Ela corria com medo das nuvens, nos dias de chuva e de sol também.
Acreditava que aquele tufos gigantes de algodão a perseguiam, por onde quer que fosse. Mesmo se espalhados, mesmo se fios.
Era uma menina corajosa, todos os dias apagava a luz para dormir e os monstros que infestavam o quarto e os armários, elas os botava pra correr. Lia à noite livros de detetives, de fantasmas, sabia-os de cor.Sonhava pesadelos, mas nunca chorou de medo, nem gritou de susto.
Mas corria das nuvens. Se escondia sob marquises, na rua. Entrava nas lojas, fechava as janelas.
No alto dos seus sete anos, a altura das nuvens. Lá em cima, vigilantes.Quando ela invadia o quintal alheio para pegar a boneca da vizinha. Não deixava pistas e fingia que o cão passara por lá. Os restos de uma boneca velha para ninguém dar por falta. Mas aquele peso lá de cima não a deixava em paz. Tal qual juiz, tal qual um deus que a mãe dizia que ia até o banheiro, não se descuidasse que ele via mal-criação. Ela não entedia deus. Entendia nuvens.
Um dia o pai trouxe uma enciclopédia para casa. Dessas de couro, vermelha, pesada e poerenta. Ela começou a devora-la metodicamente, pelo A. Não demorou muito para resolver ser cientista quando crescesse. Aos oito anos nomeou o cão de Nimbus. E fazia análises de insetos encontrados no jardim. Fez o pai comprar lupas, pinças e um jogo de laboratório mirim.
Aos doze seu medo passou. Bom, aos doze ela esqueceu. Um menino de óculos mudou para
sua sala. E eles conversavam sobre dinossauros. E sobre pirâmides. E sobre a coleção de aranhas
e grilos de cada um. E ela não lembrou de seu medo num dia nublado em que eles tomaram o
primeiro sorvete juntos. Nem no dia nublado em que ele lhe roubou um beijo tímido.
E, depois de mais um tempo, esqueceu que queria ser cientista, esqueceu a enciclopédia numa estante
e largou seu kit de laboratório num canto do quintal. E depois também esqueceu do nome do menino de
óculos.Esqueceu o sabor do sorvete que tomou e esqueceu que tinha um cachorro chamado
Nimbus.
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